15 de março de 2014

A amante









 Quando Pedro ficou sozinho e teve tempo para reflectir, depressa percebeu o que tinha de fazer. Tinha que ser fiel. Tinha que deixar a amante.

Ele sabia que a amante era apenas isso: a amante. Nunca conseguiria partilhar uma vida com ela, uma escritora de romances eróticos em ascensão.

Mas ela não pensava assim.
Ela queria-o todos os dias, a toda a hora e, como acontece com a maioria das amantes, tinha a firme convicção que mais cedo ou mais tarde era com ela que iria estar casado.

- Então tudo acabou? Vais esquecer-me? Deixar-me como se nada tivesse acontecido?

-Tens que compreender, vou ser Pai. O que tivemos foi uma aventura, nada mais do que isso. Eu…eu não te amo…quero dar uma oportunidade ao meu casamento e não podemos continuar a encontrar-nos.
          
      Descartou-a mais rapidamente do que um dos habituais encontros diários que mantinham. Deixou-a quando ela continuava a gritar, ansioso por abraçar a esposa e esquecer as traições que tinha cometido.

No dia seguinte ele acordou, pela primeira vez em muito tempo, com esperança. Fez amor com a mulher, o que acontecia cada vez menos nos últimos meses. Quando saiu do trabalho decidiu fazer-lhe uma surpresa.

Vou levá-la a jantar fora”.

O telemóvel tocou nesse instante.

- Pedro, onde estás?

- A sair do trabalho, e estava mesmo agora a pensar em ti…

- Não vás para casa – interrompeu a esposa. – Vai ter à falésia, tenho uma surpresa para ti.

Sentiu-se entusiasmado. A falésia trazia-lhe recordações felizes, dos tempos de namoro. Estaria a programar um final de tarde romântico ao pôr-do-sol? Quem sabe! Ela sempre gostou de fazer surpresas, Pedro é que não correspondia da melhor forma.
  
“Hoje vai ser diferente”, convenceu-se.

Percorreu a estrada a grande velocidade e em poucos minutos chegou à falésia. Estava deserta. Calculou onde seria o ponto de encontro.

Começou a descer para a parte mais plana e escondida do areal, como tantas vezes fizera quando namorava e procurava ali refúgio dos olhares mais curiosos. Ali em baixo, a fúria do mar a massacrar a falésia era mais ruidosa.

- Tem cuidado! – gritou alguém.

Tarde de mais. Com o canto do olho viu uma sombra aproximar-se e apontar-lhe uma arma à cabeça.

- Que bonito! A família, enfim, reunida. – A voz pareceu-lhe familiar. Numa fracção de segundo reconheceu-a. Era a voz da amante.

- Susana?

- Diz-me, amor, o que esperavas deste encontro? Um final de tarde romântico com a tua mulher? Ou o local ideal para lhe dizer a verdade? Não. Tu não ias dizer a verdade…és demasiado covarde.

- Susana, pousa essa arma. Vamos conversar…- olhou em frente e viu, para seu tormento, a mulher encostada a uma enorme rocha. As pernas estavam dobradas no solo poeirento e a cabeça oscilava, com o rosto ferido. As mãos aparentavam estar atadas. Estava a viver o seu pior pesadelo.

- Maria?! Estás bem?

A mulher não respondeu, mas os seus grandes olhos transmitiram dor e ressentimento.

- Solta-a! – gritou, virando-se em direcção da amante. Com um movimento lesto, ela manteve a distância e apontou-lhe a arma à testa, obrigando-o a parar.

- Soltá-la? Conversar? Não achas tarde para fazermos isso? Ontem não me descartaste como se fosse um objecto? O quê que ela tem que eu não tenho? Foi comigo que satisfizeste as tuas aventuras mais loucas. Comigo!

- Não tinhas o direito de a atacar…pensei…pensei que tivesses compreendido.

- Claro que compreendi meu amor. Eu fui o escape da tua rotina, fui a tua fantasia. Nada mais do que isso.

Retesou o braço que ostentava a arma e atingiu-o, em cheio na cabeça.

No chão e a tentar recuperar os sentidos ouviu um disparo. Atordoado, tentou levantar-se. 

Ainda não conseguia. Com a visão turva, deslindou a agressora com a arma apontada…apontada na direcção da mulher. Estava esvaída em sangue, o tiro atingira-a no peito.

 - Não! Que fizeste? Que fizeste?

A mulher soltou uma gargalhada diabólica.

- Fiz o que tinha de ser feito. Não foi o que me disseste ontem meu querido?

Com uma rapidez surpreendente, baixou-se e envolveu a mão de Pedro na arma. De seguida, atirou-a ao chão .

– Agora vais apodrecer na cadeia. A polícia vem a caminho. Eu nunca estive aqui. – sorriu, visivelmente satisfeita.

- O quê?!

A mulher mostrou orgulhosamente as luvas, como um animal selvagem que faz o trabalho de casa antes de atacar a presa.

- Não há nenhuma prova que me relacione a ti e a este local. Agora será um recomeço para todos nós. – E desatou a correr, sem olhar para trás.

Poucos minutos depois, mais consciente, Pedro rastejou para os braços de Maria. Estava morta. As sirenes da polícia ecoaram na falésia. Estavam a chegar. Pedro já não ia ser pai. Já não podia reconquistar a mulher.




Seis meses mais tarde, louco e enclausurado na prisão, recebe uma caixa. Do interior, exala o cheiro inconfundível de um livro à espera de ser aberto. O olhar morto e vazio pousa no título: “ A vingança da Amante”.

Abre a capa e reconhece a caligrafia perfeita na página em branco.

“ Para o Pedro, o meu verdadeiro amor. Obrigado pelo best-seller.”

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