Quando Pedro ficou sozinho e teve
tempo para reflectir, depressa percebeu o que tinha de fazer. Tinha que ser
fiel. Tinha que deixar a amante.
Ele sabia que a amante era apenas
isso: a amante. Nunca conseguiria partilhar uma vida com ela, uma escritora de
romances eróticos em ascensão.
Mas ela não pensava assim.
Ela queria-o todos os dias, a toda a hora e, como acontece com a maioria das amantes, tinha a firme convicção que mais cedo ou mais tarde era com ela que iria estar casado.
Ela queria-o todos os dias, a toda a hora e, como acontece com a maioria das amantes, tinha a firme convicção que mais cedo ou mais tarde era com ela que iria estar casado.
- Então tudo acabou? Vais esquecer-me?
Deixar-me como se nada tivesse acontecido?
-Tens que compreender, vou ser Pai. O
que tivemos foi uma aventura, nada mais do que isso. Eu…eu não te amo…quero dar
uma oportunidade ao meu casamento e não podemos continuar a encontrar-nos.
Descartou-a
mais rapidamente do que um dos habituais encontros diários que mantinham.
Deixou-a quando ela continuava a gritar, ansioso por abraçar a esposa e
esquecer as traições que tinha cometido.
No dia seguinte ele acordou, pela
primeira vez em muito tempo, com esperança. Fez amor com a mulher, o que acontecia
cada vez menos nos últimos meses. Quando saiu do trabalho decidiu fazer-lhe uma
surpresa.
“Vou levá-la a
jantar fora”.
O telemóvel tocou nesse instante.
- Pedro, onde estás?
- A sair do trabalho, e estava mesmo
agora a pensar em ti…
- Não vás para casa – interrompeu a
esposa. – Vai ter à falésia, tenho uma surpresa para ti.
Sentiu-se entusiasmado. A falésia
trazia-lhe recordações felizes, dos tempos de namoro. Estaria a programar um
final de tarde romântico ao pôr-do-sol? Quem sabe! Ela sempre gostou de fazer
surpresas, Pedro é que não correspondia da melhor forma.
“Hoje vai ser diferente”, convenceu-se.
Percorreu a estrada a grande
velocidade e em poucos minutos chegou à falésia. Estava deserta. Calculou onde
seria o ponto de encontro.
Começou a descer para a parte mais
plana e escondida do areal, como tantas vezes fizera quando namorava e
procurava ali refúgio dos olhares mais curiosos. Ali em baixo, a fúria do mar a
massacrar a falésia era mais ruidosa.
- Tem cuidado! – gritou alguém.
Tarde de mais. Com o canto do olho
viu uma sombra aproximar-se e apontar-lhe uma arma à cabeça.
- Que bonito! A família, enfim,
reunida. – A voz pareceu-lhe familiar. Numa fracção de segundo reconheceu-a.
Era a voz da amante.
- Susana?
- Diz-me, amor, o que esperavas deste
encontro? Um final de tarde romântico com a tua mulher? Ou o local ideal para
lhe dizer a verdade? Não. Tu não ias dizer a verdade…és demasiado covarde.
- Susana, pousa essa arma. Vamos
conversar…- olhou em frente e viu, para seu tormento, a mulher encostada a uma enorme
rocha. As pernas estavam dobradas no solo poeirento e a cabeça oscilava, com o
rosto ferido. As mãos aparentavam estar atadas. Estava a viver o seu pior
pesadelo.
- Maria?! Estás bem?
A mulher não respondeu, mas os seus grandes
olhos transmitiram dor e ressentimento.
- Solta-a! – gritou, virando-se em
direcção da amante. Com um movimento lesto, ela manteve a distância e apontou-lhe
a arma à testa, obrigando-o a parar.
- Soltá-la? Conversar? Não achas
tarde para fazermos isso? Ontem não me descartaste como se fosse um objecto? O
quê que ela tem que eu não tenho? Foi comigo que satisfizeste as tuas aventuras
mais loucas. Comigo!
- Não tinhas o direito de a atacar…pensei…pensei
que tivesses compreendido.
- Claro que compreendi meu amor. Eu
fui o escape da tua rotina, fui a tua fantasia. Nada mais do que isso.
Retesou o braço que ostentava a arma
e atingiu-o, em cheio na cabeça.
No chão e a tentar recuperar os
sentidos ouviu um disparo. Atordoado, tentou levantar-se.
Ainda não conseguia. Com
a visão turva, deslindou a agressora com a arma apontada…apontada na direcção
da mulher. Estava esvaída em sangue, o tiro atingira-a no peito.
- Não! Que fizeste? Que fizeste?
A mulher soltou uma gargalhada diabólica.
- Fiz o que tinha de ser feito. Não
foi o que me disseste ontem meu querido?
Com uma rapidez surpreendente, baixou-se
e envolveu a mão de Pedro na arma. De seguida, atirou-a ao chão .
– Agora vais apodrecer na cadeia. A
polícia vem a caminho. Eu nunca estive aqui. – sorriu, visivelmente satisfeita.
- O quê?!
A mulher mostrou orgulhosamente as
luvas, como um animal selvagem que faz o trabalho de casa antes de atacar a
presa.
- Não há nenhuma prova que me
relacione a ti e a este local. Agora será um recomeço para todos nós. – E
desatou a correr, sem olhar para trás.
Poucos minutos depois, mais
consciente, Pedro rastejou para os braços de Maria. Estava morta. As sirenes da
polícia ecoaram na falésia. Estavam a chegar. Pedro já não ia ser pai. Já não
podia reconquistar a mulher.
Seis meses mais tarde, louco e
enclausurado na prisão, recebe uma caixa. Do interior, exala o cheiro
inconfundível de um livro à espera de ser aberto. O olhar morto e vazio pousa
no título: “ A vingança da Amante”.
Abre a capa e reconhece a caligrafia
perfeita na página em branco.
“ Para o Pedro, o meu verdadeiro
amor. Obrigado pelo best-seller.”
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