19 de março de 2014

Durante o eclipse





               
      “Estaremos sozinhos no Universo?”

Questionei-me novamente, com o olhar fixo no céu. Já não tinha tempo para descobrir a resposta. A Lua aproximava-se do Sol.

Coincidência ou destino, a nossa destruição ocorreria durante um eclipse.
Por coincidência ou destino, não precisaria de procurar o local ideal para assistir. O evento final aconteceria ali mesmo, visível do meu jardim.

Senti a temperatura baixar à medida que a Lua avançava firmemente sobre o Sol. O silêncio era apenas interrompido pelo grunhido das aves que pairavam no ar, inquietas. Um arrepio percorreu-me a espinha.

Dedicara-me de corpo e alma à descoberta de vida inteligente no Universo. A vida erudita que levei exigiu a minha solidão. No esforço de solucionar uma das maiores dúvidas do ser humano, esqueci-me como era ser um ser humano. Habituara-me a estar sozinho; estava preparado para morrer sozinho.

A luminosidade decadente anunciou-me que a escuridão total estava próxima. Lá em cima, a Lua ocultava metade da nossa estrela.

  Ainda teria tempo de fugir? Não, já não podia fugir. Eu não queria fugir. Era uma sensação indescritível ser o único terrestre na Terra.

Quando tomou conhecimento da ameaça de extinção, a humanidade fugira para outro planeta, o mais adequado que conseguira encontrar. Um planeta inóspito, árido, em que o ser humano lutaria a cada segundo pela própria sobrevivência.

Eu decidi ficar. A vida, sem as condições para continuar a realizar as minhas pesquisas, deixaria de ter sentido. Restava-me observar o espectáculo antes da minha morte.

A Lua e o Sol finalmente fundiram-se. No crepúsculo que me envolvia, distingui no céu as estrelas mais brilhantes. O impacto ocorreria em dois minutos.

O meu coração acelerou e súbitas rajadas de vento quase me fizeram cair. Já conseguia vê-lo.

À medida que ia galgando a atmosfera tornou-se perceptível como era extenso. Com mil e quinhentos metros de diâmetro, ocultou o eclipse e o crepúsculo deu lugar à noite. O objecto estava terrivelmente próximo da superfície. Eram os meus últimos segundos de vida.

Nesses derradeiros segundos, o meu cérebro não transmitiu imagens dos meus amigos ou familiares. Não os tinha. A minha mente de cientista, a mesma que me condenou à solidão, imaginou a cratera de impacto com mais de vinte quilómetros de extensão. A quantidade de poeira que seria lançada para a atmosfera após a colisão, iria bloquear a luz solar e aniquilar a maior parte das coisas vivas do nosso planeta.

De pé, com os braços estendidos, fechei os olhos e não ousei respirar. Era o fim.

          

      
      Inesperadamente, o vento acalmou e um raio de luz inundou-me o rosto. A Lua abandonava o Sol, o eclipse total terminara. Olhei à minha volta.

Atrás de mim, o enorme objecto planava pouco acima da minha cabeça, sem emitir qualquer som ou ruído. Não era o asteróide que todos receávamos; era algo transcendente à minha banal existência. Sentia-o. Via-o. Era o acontecimento que dava significado à minha vida.

Quando aterrou e abriu os enormes portais, fui o primeiro humano a saber a resposta: Não estamos sozinhos no Universo.








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